acordam-me as manhãs dos dias sem poemas
Na percepção de um mito
acordam-me as manhãs dos dias sem poemas
em que
não me permito sair
da epiderme
camuflagem em que me envolvo
de que me alimento
migalhas de pássaro incerto
na face efígie e fugidia do tempo
eis que, por magia,
(ou metáfora, quem sabe?)
dedilho vagarosa um terço
rolando, entre os nós dos dedos,
um colar de pérolas e sargaço
evoco os deuses
as divindades da primavera
em metamorfose vegetal
refloresço no verbo
no direito pleno da palavra
- poderia dizer-tas, uma a uma, de um dicionário inteiro
(e todas seriam verdadeiras)
melificas audazes
ternas
podia falar-te
de amor, de desejo, de paixão...
de dor desamor cansaço -,
opto pelo silêncio
apenas
na percepção de um mito
tomo meu o teu rosto
num manso afago
os olhos descontidos nos olhos
à enormidade do momento
a luz a fulgir das íris
das pupilas
e
deixo
que te atrevas e
me ensines a novidade tenra dos teus lábios
esculpidos
de um Deus antigo, pelo recorte das águas.
Setúbal, Maio de 2011
Jorge Soares