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Momentos e Olhares

A vida é feita de momentos, alguns são apagados, levados pelas ondas da vida, outros ficam, perduram na nossa memória e fazem de nós o que somos, olhares, vivências, recordações e saudade! -Jorge Soares

Momentos e Olhares

A vida é feita de momentos, alguns são apagados, levados pelas ondas da vida, outros ficam, perduram na nossa memória e fazem de nós o que somos, olhares, vivências, recordações e saudade! -Jorge Soares

Fernando Pessoa - Margarida

Margarida

 

Ai, Margarida,

Se eu te desse a minha vida,

Que farias tu com ela?

– Casava com um homem cego

E ia morar para a Estrela.


Mas, Margarida,

Se eu te desse a minha vida,

Que diria a tua mãe?

– (Ela conhece-me a fundo.)

Que há muito parvo no mundo,

E que eras parvo também.


E, Margarida,

Se eu te desse a minha vida

No sentido de morrer?

– Eu iria ao teu enterro,

Mas achava que era um erro

Querer amar sem viver.


Mas, Margarida,

Se este dar-te a minha vida

Não fosse senão poesia?

– Então, filho, nada feito.

Fica tudo sem efeito.

Nesta casa não se fia.

 

Álvaro de campos

 

Fernando Pessoa morreu a 30 de Novembro de 1936, tal dia como hoje ..., alguém dizia que não só foi o melhor poeta Português, como foi os cinco melhores poetas portugueses de sempre...

 

Jorge Soares

O dia deu em Chuvoso

Recanto do Gerês, Mata de Albergaria

 

 

O Dia Deu em Chuvoso

 

O dia deu em chuvoso. 
A manhã, contudo, esteve bastante azul. 
O dia deu em chuvoso. 
Desde manhã eu estava um pouco triste. 

Antecipação! Tristeza? Coisa nenhuma? 
Não sei: já ao acordar estava triste. 
O dia deu em chuvoso. 

Bem sei, a penumbra da chuva é elegante. 
Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante. 
Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante. 
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante? 
Dêem-me o céu azul e o sol visível. 
Névoa, chuvas, escuros — isso tenho eu em mim. 

Hoje quero só sossego. 
Até amaria o lar, desde que o não tivesse. 
Chego a ter sono de vontade de ter sossego. 
Não exageremos! 
Tenho efetivamente sono, sem explicação. 
O dia deu em chuvoso. 

Carinhos? Afetos? São memórias... 
É preciso ser-se criança para os ter... 
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro! 
O dia deu em chuvoso. 

Boca bonita da filha do caseiro, 
Polpa de fruta de um coração por comer... 
Quando foi isso? Não sei... 
No azul da manhã... 

O dia deu em chuvoso. 

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa

 


 

Mata de Albergaria, Parque nacional do Gerês, Gerês, Amares, Braga

Novembro de 2010

Jorge Soares

O Cansaço

Desespero

 

O Cansaço

 

O que há em mim é sobretudo cansaço — 
Não disto nem daquilo, 
Nem sequer de tudo ou de nada: 
Cansaço assim mesmo, ele mesmo, 
Cansaço. 

A subtileza das sensações inúteis, 
As paixões violentas por coisa nenhuma, 
Os amores intensos por o suposto em alguém, 
Essas coisas todas — 
Essas e o que falta nelas eternamente —; 
Tudo isso faz um cansaço, 
Este cansaço, 
Cansaço.

 

Álvaro de Campos

 

Olhando para o que resultou da faina de um dia... o mar nem sempre é pródigo, há dias assim.

Algures na ilha de Santiago, Cabo Verde

Fevereiro de 2010

Jorge Soares

O florir do encontro casual

Borboleta na folha de palma

 

O Florir

 

O florir do encontro casual

Dos que hão sempre de ficar estranhos...

 

O único olhar sem interesse recebido no acaso

Da estrangeira rápida ...

 

O olhar de interesse da criança trazida pela mão

Da mãe distraída...

 

As palavras de episódio trocadas

Com o viajante episódico Na episódica viagem ...

 

Grandes mágoas de todas as coisas serem bocados...

Caminho sem fim...

 

 

Álvaro de Campos

 

Borboleta numa folha de palma

Setúbal, Abril de 2010

Jorge Soares

No dia triste o meu coração mais triste que o dia...

 Nuvens

 

Nuvens

 

 

No dia triste o meu coração mais triste que o dia... 

Obrigações morais e civis? 

Complexidade de deveres, de consequências? 

Não, nada... 

O dia triste, a pouca vontade para tudo... 

Nada... 

 

Outros viajam (também viajei), outros estão ao sol 

(Também estive ao sol, ou supus que estive), 

Todos têm razão, ou vida, ou ignorância simétrica, 

Vaidade, alegria e sociabilidade, 

E emigram para voltar, ou para não voltar, 

Em navios que os transportam simplesmente. 

Não sentem o que há de morte em toda a partida, 

De mistério em toda a chegada, 

De horrível em todo o novo... 

 

Não sentem: por isso são deputados e financeiros, 

Dançam e são empregados no comércio, 

Vão a todos os teatros e conhecem gente... 

Não sentem: para que haveriam de sentir? 

Gado vestido dos currais dos Deuses, 

Deixá-lo passar engrinaldado para o sacrifício 

Sob o sol, alacre, vivo, contente de sentir-se... 

Deixai-o passar, mas ai, vou com ele sem grinalda 

Para o mesmo destino! 

Vou com ele sem o sol que sinto, sem a vida que tenho, 

Vou com ele sem desconhecer... 

 

No dia triste o meu coração mais triste que o dia... 

No dia triste todos os dias... 

No dia tão triste... 

 

Álvaro de Campos, in "Poemas" 

 

 

Reflexos das nuvens do fim da tarde na cobertura .....

 

Parque das Nações, Lisboa

Janeiro de 2010

Jorge Soares

 

Realidade

Lisboa, São Bento

Realidade

 

Sim, passava aqui frequentemente há vinte anos... 

Nada está mudado - ou, pelo menos, não dou por isto - 

Nesta localidade da cidade ...

Há vinte anos!... 

O que eu era então!  Ora, era outro... 

Há vinte anos, e as casas não sabem de nada...

 

Vinte anos inúteis (e sei lá se o foram! 

Sei eu o que é útil ou inútil?)... 

Vinte anos perdidos (mas o que seria ganhá-los?)

 

Tento reconstruir na minha imaginação 

Quem eu era e como era quando por aqui passava 

Há vinte anos... 

Não me lembro, não me posso lembrar.

 

O outro que aqui passava, então,  

Se existisse hoje, talvez se lembrasse... 

Há tanta personagem de romance que conheço melhor por dentro 

De que esse eu-mesmo que há vinte anos passava por aqui!

 

Sim, o mistério do tempo. 

Sim, o não se saber nada,  

Sim, o termos todos nascido a bordo 

Sim, sim, tudo isso, ou outra forma de o dizer...

 

Daquela janela do segundo andar, ainda idêntica a si mesma, 

Debruçava-se então uma rapariga mais velha que eu, mais 

lembradamente de azul.

 

Hoje, se calhar, está o quê? 

Podemos imaginar tudo do que nada sabemos. 

Estou parado físisca e moralmente: não quero imaginar nada...

 

Houve um dia em que subi esta rua pensando alegremente no futuro,  

Pois Deus dá licença que o que não existe seja fortemente iluminado,  

Hoje, descendo esta rua, nem no passado penso alegremente. 

Quando muito, nem penso... 

Tenho a impressão que as duas figuras se cruzaram na rua, nem então nem agora,  

Mas aqui mesmo, sem tempo a perturbar o cruzamento.

 

Olhamos indiferentemente um para o outro. 

E eu o antigo lá subi a rua imaginando um futuro girassol,  

E eu o moderno lá desci a rua não imaginando nada.

 

Talvez isso realmente se desse... 

Verdadeiramente se desse... 

Sim, carnalmente se desse...

 

Sim, talvez...

 
Alvaro De Campos
 
Lisboa, Março de 2009
Jorge Soares

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