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Momentos e Olhares

A vida é feita de momentos, alguns são apagados, levados pelas ondas da vida, outros ficam, perduram na nossa memória e fazem de nós o que somos, olhares, vivências, recordações e saudade! -Jorge Soares

Momentos e Olhares

A vida é feita de momentos, alguns são apagados, levados pelas ondas da vida, outros ficam, perduram na nossa memória e fazem de nós o que somos, olhares, vivências, recordações e saudade! -Jorge Soares

às vezes em sonho triste

Às vezes num sonho triste

 

 

Às vezes, em sonho triste

Nos meus desejos existe

Longinquamente um país

Onde ser feliz consiste

Apenas em ser feliz.

 

Vive-se como se nasce

Sem o querer nem saber.

Nessa ilusão de viver

O tempo morre e renasce

Sem que o sintamos correr.

 

O sentir e o desejar

São banidos dessa terra.

O amor não é amor

Nesse país por onde erra

Meu longínquo divagar.

 

Nem se sonha nem se vive:

É uma infância sem fim.

Parece que se revive

Tão suave é viver assim

Nesse impossível jardim.

 

Fernando Pessoa

 

Fim de tarde em Setúbal

Maio de 2012

Jorge Soares

Se soubesse ..

Flor de Macieira

 

Se soubesse que amanhã morria 
E a Primavera era depois de amanhã, 
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã. 
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo? 
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo; 
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse. 
Por isso, se morrer agora, morro contente, 
Porque tudo é real e tudo está certo. 

 

Alberto Caeiro in Quando Vier a Primavera

 

Jorge Soares

Pontido, Fafe

 

Abril de 2012

Jorge Soares

Não estou pensando em nada, e que bom!

Pensar

 

Não estou pensando em nada 
E essa coisa central, que é coisa nenhuma, 
É-me agradável como o ar da noite, 
Fresco em contraste com o verão quente do dia, 

Não estou pensando em nada, e que bom! 

Pensar em nada 
É ter a alma própria e inteira. 
Pensar em nada 
É viver intimamente 
O fluxo e o refluxo da vida... 
Não estou pensando em nada. 
E como se me tivesse encostado mal. 
Uma dor nas costas, ou num lado das costas, 
Há um amargo de boca na minha alma: 
É que, no fim de contas, 
Não estou pensando em nada, 
Mas realmente em nada, 
Em nada... 

Álvaro de Campos, in "Poemas" 
Heterónimo de Fernando Pessoa

 

Évora, Março de 2012

Jorge Soares

Sei bem

Cais das colunas

 

Sei Bem que Nunca Serei Ninguém

 

Sim, sei bem 
Que nunca serei alguém. 
Sei de sobra 
Que nunca terei uma obra. 
Sei, enfim, 
Que nunca saberei de mim. 
Sim, mas agora, 
Enquanto dura esta hora, 
Este luar, estes ramos, 
Esta paz em que estamos, 
Deixem-me crer 
O que nunca poderei ser. 

Ricardo Reis, in "Odes" 

 

Cais das colunas, Lisboa

Janeior de 2012

Jorge Soares

Quando está frio no tempo do frio

Geada em Póvoa Dão

 

Quando está frio no tempo do frio, para mim é como se estivesse agradável, 
Porque para o meu ser adequado à existência das cousas 
O natural é o agradável só por ser natural. 

Aceito as dificuldades da vida porque são o destino, 
Como aceito o frio excessivo no alto do Inverno — 
Calmamente, sem me queixar, como quem meramente aceita, 
E encontra uma alegria no fato de aceitar — 
No fato sublimemente científico e difícil de aceitar o natural inevitável. 

Que são para mim as doenças que tenho e o mal que me acontece 
Senão o Inverno da minha pessoa e da minha vida? 
O Inverno irregular, cujas leis de aparecimento desconheço, 
Mas que existe para mim em virtude da mesma fatalidade sublime, 
Da mesma inevitável exterioridade a mim, 
Que o calor da terra no alto do Verão 
E o frio da terra no cimo do Inverno. 

Aceito por personalidade. 
Nasci sujeito como os outros a erros e a defeitos, 
Mas nunca ao erro de querer compreender demais, 
Nunca ao erro de querer compreender só corri a inteligência, 
Nunca ao defeito de exigir do Mundo 
Que fosse qualquer cousa que não fosse o Mundo.

 

Fernando Pessoa

 

A geada sobre a vegetação numa fria manhã de Inverno

Póvoa Dão, Viseu

Dezembro de 2011

Jorge Soares

O Guardador de rebanhos

O Guardador de rebanhos

 

Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.
Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas...
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!
Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.
A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas.
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.
Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou –
«Se é que ele as criou, do que duvido» –
«Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres.»
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.
Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.
A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.
A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direcção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.
Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.
Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há-de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?


Alberto Caeiro 

 

Setúbal, Dezembro de 2011

Jorge Soares

A última pétala das rosas do Outono

Pétalas de inverno

 

Pétala Dobrada para Trás da Rosa 


 

 

Pétala dobrada para trás da rosa que outros dizem de veludo. 
Apanho-te do chão e, de perto, contemplo-te de longe. 

Não há rosas no meu quintal: que vento te trouxe? 
Mas chego de longe de repente. Estive doente um momento. 
Nenhum vento te trouxe agora. 
Agora estás aqui. 
O que foste não és tu, se não toda a rosa estava aqui. 

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos" 
Heterónimo de Fernando Pessoa

 

 

A última pétala de uma rosa do Outono

Setúbal

Dezembro de 2011

Jorge Soares

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