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Momentos e Olhares

A vida é feita de momentos, alguns são apagados, levados pelas ondas da vida, outros ficam, perduram na nossa memória e fazem de nós o que somos, olhares, vivências, recordações e saudade! -Jorge Soares

Momentos e Olhares

A vida é feita de momentos, alguns são apagados, levados pelas ondas da vida, outros ficam, perduram na nossa memória e fazem de nós o que somos, olhares, vivências, recordações e saudade! -Jorge Soares

O gosto a sol e a sangue dos sentidos.

Vendedoras de Água de Coco

 

 

Caminharemos de Olhos Deslumbrados

 

Caminharemos de olhos deslumbrados 
E braços estendidos 
E nos lábios incertos levaremos 
O gosto a sol e a sangue dos sentidos. 

Onde estivermos, há-de estar o vento 
Cortado de perfumes e gemidos. 
Onde vivermos, há-de ser o templo 
Dos nossos jovens dentes devorando 
Os frutos proibidos. 

No ritual do verão descobriremos 
O segredo dos deuses interditos 
E marcados na testa exaltaremos 
Estátuas de heróis castrados e malditos. 

Ó deus do sangue! deus de misericórdia! 
Ó deus das virgens loucas 
Dos amantes com cio, 
Impõe-nos sobre o ventre as tuas mãos de rosas, 
Unge os nossos cabelos com o teu desvario! 

Desce-nos sobre o corpo como um falus irado, 
Fustiga-nos os membros como um látego doido, 
Numa chuva de fogo torna-nos sagrados, 
Imola-nos os sexos a um arcanjo loiro. 

Persegue-nos, estonteia-nos, degola-nos, castiga-nos, 
Arranca-nos os olhos, violenta-nos as bocas, 
Atapeta de flores a estrada que seguimos 
E carrega de aromas a brisa que nos toca. 

Nus e ensanguentados dançaremos a glória 
Dos nossos esponsais eternos com o estio 
E coroados de apupos teremos a vitória 
De nos rirmos do mundo num leito vazio. 


Ary dos Santos, in 'Liturgia do Sangue'

 

Vendedoras de cocos na praia do Tarrafal

Cabo Verde

Novembro de 2012

Jorge Soares

Para um tempo que fica Doendo por dentro

Praia de Kebra Kanela

 

 Canção do Tempo

 

Para um tempo que fica
Doendo por dentro
E passa por fora
Para o tempo do vento
Que é o contratempo
Da nossa demora
Passam dias e noites
Os meses...os anos
O segundo e a hora
E ao tempo presente
É que a gente pergunta
E agora...e agora

 

Tempo
Para pensar cada momento deste tempo
Que cada dia é mais profundo e é mais tempo
Para emendar pois outro tempo menos lento


Tempo
Dos nossos filhos apredenderem com mais tempo
A rapidez que apanha sempre o pensamento
Para nascer, para viver, para existir
E nunca mais verem o tempo fugir

Ai...o tempo constante
Que a cada instante
Nos passa por fora
Este tempo candente
Que é como um cometa
Com laivos de aurora
É o tempo de hoje
É o tempo de ontem
É o tempo de outrora
Mas o tempo da gente
É o tempo presente
É agora...é agora

 

Tempo
Para agarrar cada momento deste tempo
E terminar em absoluto ao mesmo tempo
Em temporal como os ponteiros do minuto


Tempo
Para o relogio bater certo com a vida
Que um homem bom que um homem sao que um homem forte
Que nao chegava a conseguir fazer partida
E que desperta adiantado para a morte

 

Ary Dos Santos 

 

Uma criança brinca na areia na Praia de Kebra Kanela

Cidade da Praia, Cabo Verde

Novembro de 2012

Jorge Soares

Era uma vez um país

Papoila

 

Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.
Onde entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas

lezírias e praias claras
um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.

Era uma vez um país
onde o pão era contado
onde quem tinha a raiz
tinha o fruto arrecadado
onde quem tinha o dinheiro
tinha o operário algemado
onde suava o ceifeiro
que dormia com o gado
onde tossia o mineiro
em Aljustrel ajustado
onde morria primeiro
quem nascia desgraçado.
(…)

Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo.

Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade.

Era já uma promessa
era a força da razão
do coração à cabeça
da cabeça ao coração

(…)

 

Ary dos Santos

 

25 de Abril sempre

Auto-Retrato

 

 

Poeta é certo mas de cetineta 
fulgurante de mais para alguns olhos 
bom artesão na arte da proveta 
marciso de lombardas e repolhos. 

Cozido à portuguesa mais as carnes 
suculentas da auto-importância 
com toicinho e talento ambas partes 
do meu caldo entornado na infância. 

Nos olhos uma folha de hortelã 
que é verde como a esperança que amanhã 
amanheça de vez a desventura. 

Poeta de combate disparate 
palavrão de machão no escaparate 
porém morrendo aos poucos de ternura. 

Ary dos Santos, in 'Fotosgrafias'

 

Porque é mais ou menos assim que me sinto.

 

Gato no Miradouro de São Domingos

Setúbal, Março de 2009

Jorge Soares


Os Putos

 Os putos

 

 

Os putos

 

Uma bola de pano, num charco

Um sorriso traquina, um chuto

Na ladeira a correr, um arco

O céu no olhar, dum puto.

 

Uma fisga que atira a esperança

Um pardal de calções, astuto

E a força de ser criança

Contra a força dum chui, que é bruto.

 

Parecem bandos de pardais à solta

Os putos, os putos

São como índios, capitães da malta

Os putos, os putos

Mas quando a tarde cai

Vai-se a revolta

Sentam-se ao colo do pai

É a ternura que volta

E ouvem-no a falar do homem novo

São os putos deste povo

A aprenderem a ser homens.

 

As caricas brilhando na mão

A vontade que salta ao eixo

Um puto que diz que não

Se a porrada vier não deixo

 

Um berlinde abafado na escola

Um pião na algibeira sem cor

Um puto que pede esmola

Porque a fome lhe abafa a dor.

 

                     José Carlos Ary dos Santos

 

Cabo Verde, Fevereiro de 2010

Jorge Soares

 

A cidade é um chão de palavras pisadas

A cidade é um chão de palavras pisadas 

A cidade é um chão de palavras pisadas

 

A cidade é um chão de palavras pisadas

a palavra criança  a palavra segredo.

A cidade é um céu de palavras paradas

a palavra distância  e a palavra medo.

 

A cidade é um saco  um pulmão que respira

pela palavra água  pela palavra brisa

A cidade é um poro  um corpo que transpira

pela palavra sangue  pela palavra ira.

 

A cidade tem praças de palavras abertas

como estátuas mandadas apear.

A cidade tem ruas de palavras desertas

como jardins mandados arrancar.

 

A palavra sarcasmo é uma rosa rubra.

A palavra silêncio é uma rosa chá.

Não há céu de palavras que a cidade não cubra

não há rua de sons que a palavra não corra

à procura da sombra de uma luz que não há.

 

                  José Carlos Ary dos Santos

 

Setúbal, Câmara Municipal, Praça do Bocage

Julho de 2009

Jorge Soares

Poeta Castrado, Não!

Parque Urbano do Rio Ul

 

 

 Poeta Castrado, Não!

 

Serei tudo o que disserem

por inveja ou negação:

cabeçudo   dromedário

fogueira de exibição

teorema   corolário

poema de mão em mão

lãzudo   publicitário

malabarista   cabrão.

Serei tudo o que disserem:

Poeta castrado   não!

 

Os que entendem como eu

as linhas com que me escrevo

reconhecem o que é meu

em tudo quanto lhes devo:

ternura  como já disse

sempre que faço um poema;

saudade que   se partisse

me alagaria de pena;

e também uma alegria

uma coragem serena

em renegar a poesia

quando ela nos envenena.

 

Os que entendem como eu

a força que tem um verso

reconhecem o que é seu

quando lhes mostro o reverso:

 

Da fome já não se fala

--- é tão vulgar que nos cansa ---

mas que dizer de uma bala

num esqueleto de criança?

 

Do frio não reza a história

--- a morte é branda e letal ---

mas que dizer da memória

de uma bomba de napalm?

 

E o resto que pode ser

o poema dia a dia?

--- Um bisturi a crescer

nas coxas de uma judia;

um filho que vai nascer

parido por asfixia?!

--- Ah não me venham dizer

que é fonética a poesia!

 

Serei tudo o que disserem

por temor ou negação:

Demagogo   mau profeta

falso médico   ladrão

prostituta   proxeneta

espoleta   televisão.

Serei tudo o que disserem:

Poeta castrado   não!

 

   José Carlos Ary dos Santos

 

Parque Urbano do Ro Ul

 

São João Da Madeira, Aveiro

Dezembro de 2008

Jorge Soares

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