Que o mais simples Fosse visto como o mais importante..
Quem me dera
ao menos uma vez
Que o mais simples
Fosse visto como o mais importante...
Renato Russo
Algures nas Asturias
Agosto de 2014
Jorge Soares
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Quem me dera
ao menos uma vez
Que o mais simples
Fosse visto como o mais importante...
Renato Russo
Algures nas Asturias
Agosto de 2014
Jorge Soares
Tenho às vezes um sonho estranho e penetrante
Com uma desconhecida, que amo e que me ama
E que, de cada vez, nunca é bem a mesma
Nem é bem qualquer outra, e me ama e compreende.
Porque me entende, e o meu coração, transparente
Só pra ela, ah!, deixa de ser um problema
Só pra ela, e os suores da minha testa pálida,
Só ela, quando chora, sabe refrescá-los.
Será morena, loira ou ruiva? — Ainda ignoro.
O seu nome? Recordo que é suave e sonoro
Como esses dos amantes que a vida exilou.
O olhar é semelhante ao olhar das estátuas
E quanto à voz, distante e calma e grave, guarda
Inflexões de outras vozes que o tempo calou.
Paul Verlaine, in "Melancolia"
Tradução de Fernando Pinto do Amaral
Mértola, Março de 2013
Jorge Soares
Dois amantes ditosos fazem um só pão,
uma só gota de lua na erva,
deixam andando duas sombras que se reúnem,
deixam um só sol vazio numa cama...
De todas as verdades escolheram o dia....
não se ataram com fios senão com um aroma,
e não despedaçaram a paz nem as palavras...
A ventura é uma torre transparente...
O ar, o vinho vão com os dois amantes,
a noite lhes oferta suas ditosas pétalas,
têm direito a todos os cravos...
Dois amantes felizes não têm fim nem morte,
nascem e morrem muitas vezes enquanto vivem...
têm da natureza a eternidade...
Pablo Neruda
Com um cheirinho a Primavera... ou, ainda os pardais
Setúbal, Março de 2013
Jorge Soares
Quando cedo me levanto
Envolto nos temporais
Invade-me o desencanto
Não posso sair do cais
Eu gosto de navegar
Nas calmas aguas da Ria
Impedido de ir pró mar
É aqui que passo o dia
Por aqui vou navegando
Só Deus sabe até quando
Remando na solidão
Em saudade que não esquece
Aos ceus rezando uma prece
Contida em minha oração
16MAR13
João Severino
Setúbal, Maio de 2012
Jorge Soares
Charneca em Flor
Enche o meu peito, num encanto mago,
O frêmito das coisas dolorosas...
Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Nos meus olhos as lágrimas apago...
Anseio! Asas abertas! O que trago
Em mim? Eu oiço bocas silenciosas
Murmurar-me as palavras misteriosas
Que perturbam meu ser como um afago!
E nesta febre ansiosa que me invade,
Dispo a minha mortalha, o meu burel,
E, já não sou, Amor, Sóror Saudade...
Olhos a arder em êxtases de amor,
Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Sou a charneca rude a abrir em flor!
Florbela Espanca
Algures no sopé da Arrábida num dia de Primavera
Junho de 2012
Jorge Soares
Quando Vier a Primavera
Quando vier a Primavera,
Se eu já estiver morto,
As flores florirão da mesma maneira
E as árvores não serão menos verdes que na Primavera passada.
A realidade não precisa de mim.
Sinto uma alegria enorme
Ao pensar que a minha morte não tem importância nenhuma
Se soubesse que amanhã morria
E a Primavera era depois de amanhã,
Morreria contente, porque ela era depois de amanhã.
Se esse é o seu tempo, quando havia ela de vir senão no seu tempo?
Gosto que tudo seja real e que tudo esteja certo;
E gosto porque assim seria, mesmo que eu não gostasse.
Por isso, se morrer agora, morro contente,
Porque tudo é real e tudo está certo.
Podem rezar latim sobre o meu caixão, se quiserem.
Se quiserem, podem dançar e cantar à roda dele.
Não tenho preferências para quando já não puder ter preferências.
O que for, quando for, é que será o que é.
(Poemas Inconjuntos, heterónimo de Fernando Pessoa)
Alberto Caeiro
Apesar da muita chuva e do tempo frio, o sopé da arrábida vai-se enchendo de cor com o aparecimento das primeiras flores silvestres.
Setúbal, Fevereiro de 2013
Jorge Soares
O que todos os pais pensam
não acredito em deus
eu dizia nas solidões
não acredito em nada
as pedras ainda são as pedras entretanto
o céu ainda empurra nuvem depois de nuvem
chove e nos janeiros é ruim dormir porque o calor tem asas de mosquito
deus não está me observando e nem vai me punir porque não acredito
as lágrimas ainda lavam as mais belas bochechas
assim como lavam também as faces feias
os rostos dos condenados a passar anos na cadeia
as mãos despretensiosas dos trabalhadores indonésios
os lenços de papel burgueses
eu choro por uma porção de razões minhas
lágrimas amigas choram seus motivos (às vezes eu sou o motivo)
deus não faz nada para enxugá-las
deus não sabe nada sobre as alegrias e as tristezas
deus não sabe nada sobre o meu menino
meu menino vai ter suas cantoras preferidas e vai se apaixonar por elas e pelas mulheres que as canções de suas cantoras o lembrarem
vai chorar desesperado algumas vezes na vida e eu não vou poder fazer muita coisa
além de dizer que isso passa e que as garotas sempre nos fazem chorar
e que nem é bom ouvir certas canções em certas datas
mas que elas nos fazem muito bem também
e que quando elas estiverem tristes vai ser bom poderem contar com ele
porque ele será um bom rapaz
não só um belo homem mas um bom rapaz
(considerando que ele vá gostar de garotas
se ele gostar de rapazes as coisas não serão muito diferentes)
mas
antes disso
meu menino vai ter de aprender a andar
e é muito bonito ver o esforço dos primeiros passos
e as suas gargalhadas pelas menores coisas de seu pequeno universo
(as coisas abstratas ele só vai entender
quando já houver chorado por coisas abstratas)
deus não sabe que meu menino ainda não sabe andar
deus não sabe que meu menino tem muita sorte e muitos amores e uns quantos pares de olhos e mãos e pés para cuidar dele bem melhor que eu
e ainda que tudo corra bem
todos vão pensar ter feito algo errado
desconsiderando deus
todos os pais pensam
V.
Setúbal, Fevereiro de 2013
Jorge Soares
Sinto no murmurar das águas
deste rio da minha vida,
onde navegávamos na mansidão do luar
e rejubilávamos na alegria da juventude,
as melodias da felicidade,
acariciadas pela brisa daquele tempo,
de palmeiras verdes de esperança,
onde as brumas da incerteza não existiam!
E agora, contemplando o caudal deste rio
ressequido por este tempo que se faz presente
sufoco o choro de lágrimas da nostalgia,
que me aperta o peito, na dor feita saudade!
E aqui estou, sentado, nas areias que margeiam
este rio cansado, pelas mágoas do seu percurso,
esperando nova brisa que me sopre forças,
para continuar a navegar neste leito seco
e chegar ao remanso da minha tranquilidade!
Anseio por novos rios, num tempo
que se faça fértil e de águas calmas,
navegue por entre campos floridos,
ao som melodioso dos chilreios
de aves encantadas,
de cores garridas da paixão,
ao encontro de um novo viver.
José Carlos Moutinho
Algures nas Astúrias
Agosto de 2011
Jorge Soares
É o vento que me leva.
O vento lusitano.
É este sopro humano
Universal
Que enfuna a inquietação de Portugal.
É esta fúria de loucura mansa
Que tudo alcança
Sem alcançar.
Que vai de céu em céu,
De mar em mar,
Até nunca chegar.
E esta tentação de me encontrar
Mais rico de amargura
Nas pausas da ventura
De me procurar…
Miguel Torga, in ‘Diário XII’
E de repente entrou-me a sodade.
Por do sol na Praiinha
Cabo Verde, Fevereiro de 2010
Jorge Soares
Não falta ninguém no jardim.
Não há ninguém:
somente o inverno verde e negro, o dia
desvelado como uma aparição,
fantasma branco, de fria vestimenta,
pelas escadas dum castelo. É hora
de não chegar ninguém, apenas caem
as gotas que vão espalhando o rocio
nestes ramos desnudos pelo inverno
e eu e tu nesta zona solitária,
invencíveis, sozinhos, esperando
que ninguém chegue, não, que ninguém venha
com sorriso ou medalha ou predisposto
a propor-nos nada.
Pablo Neruda
Setúbal, Fevereiro de 2013
Jorge Soares