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Momentos e Olhares

A vida é feita de momentos, alguns são apagados, levados pelas ondas da vida, outros ficam, perduram na nossa memória e fazem de nós o que somos, olhares, vivências, recordações e saudade! -Jorge Soares

Momentos e Olhares

A vida é feita de momentos, alguns são apagados, levados pelas ondas da vida, outros ficam, perduram na nossa memória e fazem de nós o que somos, olhares, vivências, recordações e saudade! -Jorge Soares

Realidade

Lisboa, São Bento

Realidade

 

Sim, passava aqui frequentemente há vinte anos... 

Nada está mudado - ou, pelo menos, não dou por isto - 

Nesta localidade da cidade ...

Há vinte anos!... 

O que eu era então!  Ora, era outro... 

Há vinte anos, e as casas não sabem de nada...

 

Vinte anos inúteis (e sei lá se o foram! 

Sei eu o que é útil ou inútil?)... 

Vinte anos perdidos (mas o que seria ganhá-los?)

 

Tento reconstruir na minha imaginação 

Quem eu era e como era quando por aqui passava 

Há vinte anos... 

Não me lembro, não me posso lembrar.

 

O outro que aqui passava, então,  

Se existisse hoje, talvez se lembrasse... 

Há tanta personagem de romance que conheço melhor por dentro 

De que esse eu-mesmo que há vinte anos passava por aqui!

 

Sim, o mistério do tempo. 

Sim, o não se saber nada,  

Sim, o termos todos nascido a bordo 

Sim, sim, tudo isso, ou outra forma de o dizer...

 

Daquela janela do segundo andar, ainda idêntica a si mesma, 

Debruçava-se então uma rapariga mais velha que eu, mais 

lembradamente de azul.

 

Hoje, se calhar, está o quê? 

Podemos imaginar tudo do que nada sabemos. 

Estou parado físisca e moralmente: não quero imaginar nada...

 

Houve um dia em que subi esta rua pensando alegremente no futuro,  

Pois Deus dá licença que o que não existe seja fortemente iluminado,  

Hoje, descendo esta rua, nem no passado penso alegremente. 

Quando muito, nem penso... 

Tenho a impressão que as duas figuras se cruzaram na rua, nem então nem agora,  

Mas aqui mesmo, sem tempo a perturbar o cruzamento.

 

Olhamos indiferentemente um para o outro. 

E eu o antigo lá subi a rua imaginando um futuro girassol,  

E eu o moderno lá desci a rua não imaginando nada.

 

Talvez isso realmente se desse... 

Verdadeiramente se desse... 

Sim, carnalmente se desse...

 

Sim, talvez...

 
Alvaro De Campos
 
Lisboa, Março de 2009
Jorge Soares

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