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Momentos e Olhares

A vida é feita de momentos, alguns são apagados, levados pelas ondas da vida, outros ficam, perduram na nossa memória e fazem de nós o que somos, olhares, vivências, recordações e saudade! -Jorge Soares

Momentos e Olhares

A vida é feita de momentos, alguns são apagados, levados pelas ondas da vida, outros ficam, perduram na nossa memória e fazem de nós o que somos, olhares, vivências, recordações e saudade! -Jorge Soares

Orgasmo

Dia de Inverno no planalto da Serra da Estrela

 

ORGASMO


Deixa que eu te descubra, anónima paisagem,
Corpo de virgem que não amo ainda!
Fauno das fragas e dos horizontes,
Sonho contigo sem te conhecer…
Sonho contigo nua, a pertencer
Ao silêncio devasso e à solidão!
Num pesadelo, vejo amanhecer
O sol e o vento no teu coração!


E é um ciúme de Otelo que me rói!
Só eu não posso acarinhar a sombra
Do teu rosto velado!
Só eu vivo afastado
Dos teus encantos!
E são tantos
E tais!
Que eu não posso, paisagem,
Esperar mais!

 

Miguel Torga

 

Para quem se queixou do titulo do post do outro dia... ora, aqui está um titulo quente para uma paisagem bela mas muito fria.

 

Neve no planalto central da Serra da Estrela

 

Dezembro de 2010

Jorge Soares

 

26 de Dez de 2010, Câmara: SONY DSLR-A350, ISO: 100, Exp.: 1/160 seg., Abert.: 13.0, Ext.: 55mm,Flash: Não

SONETO (DES)PEJADO

Sexo?

 

Num capote embrulhado, ao pé de Armia,
Que tinha perto a mãe o chá fazendo,
Na linda mão lhe fui (oh céus) metendo
O meu caralho, que de amor fervia:

Entre o susto, entre o pejo a moça ardia;
E eu solapado os beijos remordendo,
Pela fisga da saia a mão crescendo
A chamada sacana lhe fazia:

Entra a vir-se a menina... Ah! que vergonha!
"Que tens?" — lhe diz a mãe sobressaltada:
Não pode ela encobrir na mão langonha:

Sufocada ficou, a mãe corada:
Finda a partida, e mais do que medonha
A noite começou de bofetada.

 

Barbosa du Bocage

 

Detalhes da natureza

Maio dew 2010

Jorge Soares

Mulher da vida

Mulher da vida

 

 

 Mulher da Vida, minha Irmã.

 

De todos os tempos. 

De todos os povos. 

De todas as latitudes. 

Ela vem do fundo imemorial das idades e 

carrega a carga pesada dos mais 

torpes sinônimos, 

apelidos e apodos: 

Mulher da zona, 

Mulher da rua, 

Mulher perdida, 

Mulher à-toa.

 

Mulher da Vida, minha irmã.

 

Pisadas, espezinhadas, ameaçadas. 

Desprotegidas e exploradas. 

Ignoradas da Lei, da Justiça e do Direito. 

Necessárias fisiologicamente. 

Indestrutíveis. 

Sobreviventes. 

Possuídas e infamadas sempre por 

aqueles que um dia as lançaram na vida. 

Marcadas. Contaminadas, 

Escorchadas. Discriminadas.

 

Nenhum direito lhes assiste. 

Nenhum estatuto ou norma as protege. 

Sobrevivem como erva cativa dos caminhos, 

pisadas, maltratadas e renascidas.

 

Flor sombria, sementeira espinhal  

gerada nos viveiros da miséria, da 

pobreza e do abandono, 

enraizada em todos os quadrantes da Terra.

 

Um dia, numa cidade longínqua, essa  

mulher corria perseguida pelos homens que 

a tinham maculado. Aflita, ouvindo o  

tropel dos perseguidores e o sibilo das pedras, 

ela encontrou-se com a Justiça.

 

A Justiça estendeu sua destra poderosa e

lançou o repto milenar: 

“Aquele que estiver sem pecado 

atire a primeira pedra”.

 

As pedras caíram 

e os cobradores deram s costas.

 

O Justo falou então a palavra de eqüidade:

“Ninguém te condenou, mulher...  

nem eu te condeno”.

 

A Justiça pesou a falta pelo peso 

do sacrifício e este excedeu àquela. 

Vilipendiada, esmagada. 

Possuída e enxovalhada, 

ela é a muralha que há milênios detém 

as urgências brutais do homem para que  

na sociedade possam coexistir a inocência, 

a castidade e a virtude.

 

Na fragilidade de sua carne maculada 

esbarra a exigência impiedosa do macho.

 

Sem cobertura de leis 

e sem proteção legal,  

ela atravessa a vida ultrajada 

e imprescindível, pisoteada, explorada,  

nem a sociedade a dispensa 

nem lhe reconhece direitos 

nem lhe dá proteção. 

E quem já alcançou o ideal dessa mulher,

que um homem a tome pela mão,  

a levante, e diga: minha companheira.

 

Mulher da Vida, minha irmã.

 

No fim dos tempos. 

No dia da Grande Justiça 

do Grande Juiz. 

Serás remida e lavada 

de toda condenação.

 

E o juiz da Grande Justiça 

a vestirá de branco em 

novo batismo de purificação. 

Limpará as máculas de sua vida 

humilhada e sacrificada 

para que a Família Humana 

possa subsistir sempre, 

estrutura sólida e indestrurível 

da sociedade, 

de todos os povos, 

de todos os tempos.

 

Mulher da Vida, minha irmã.

 

Cora Coralina

 

Jorge Soares

Bairro do Oriente

TRavessa das donzelas ... é em Setúbal

 

Tenho à janela

Uma velha cornucópia

Cheia de alfazema

E orquídeas da etiópia

 

Tenho um transistor ao pé da cama

Com sons de harpas e oboés

E cantigas de outras terras

Que percorri de lés-a-lés

 

Tenho uma lamparina

Que trouxe das arábias

Para te amar à luz do azeite

Num kama-sutra de noites sábias

 

Tenho junto ao psyché

Um grande cachimbo d'água

Que sentados no canapé

Fumamos ao cair da mágoa

 

Tenho um astrolábio

Que me deram beduínos

Para medir no firmamento

Os teus olhos astralinos

 

Vem vem à minha casa

Rebolar na cama e no jardim

Acender a ignomínia

E a má língua do código pasquim

Que nos condena numa alínea

A ter sexo de querubim

 

 

Rui Veloso

Podem ouvir aqui

 

Setúbal

Março de 2009

Jorge Soares

O Ultimo Sortilégio

 Borboletas

 

Converta-me a minha última magia 
Numa estátua de mim em corpo vivo ! 
Mor4ra quem sou, mas quem me fiz e havia, 
Anônima presença que se beija, 
Carne do meu abstrato amor cativo, 
Seja a morte de mim em que revivo : 
E tal qual fui, não sendo nada, eu seja !"

 

Fernando Pessoa in O Ultimo Sortilégio

 

Num dos meus passeios por aqui à volta, num dia cinzento de Outono reparei neste par de bichinhos.

 

 

Setúbal, Novembro de 2009

Jorge Soares

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